Até por exigência da profissão, a comissária de voo Patrícia Souza, de 33 anos, sempre foi vaidosa. Nos últimos meses, porém, ela tem caprichado mais na maquiagem. "Preciso cobrir as olheiras e passar um pouco de blush para parecer saudável. Também tenho usado cílios postiços", conta. Patrícia está fazendo quimioterapia.
Há sete meses, ela luta contra um câncer de mama. Desde então, descobriu na prática algo que diversas pesquisas mostram: cuidados estéticos, que a princípio podem parecer supérfluos, diminuem os índices de depressão, melhoram a resposta ao tratamento e a qualidade de vida dos pacientes oncológicos.
Essa preocupação com o bem-estar durante e após o tratamento contra o câncer tem crescido entre os profissionais de saúde à medida que aumenta a sobrevida dos doentes, afirma a dermatologista Dolores Fabra.
Ela coordenou, na Faculdade de Medicina do ABC, a implementação de um ambulatório de reabilitação cosmiátrica para pacientes oncológicos: um serviço para amenizar as alterações que o tratamento pode causar na pele, nas unhas e nos cabelos.
Impacto. A radioterapia costuma deixar a pele mais fina e avermelhada. Já a quimioterapia pode causar machas, descamação, ressecamento e acne, além de enfraquecer as unhas e derrubar os pelos. "Mas para tudo isso há solução", garante a médica. Dolores avaliou, por meio de questionários, o impacto desses cuidados na qualidade de vida de seus pacientes. Em média, eles relataram uma melhora no grau de sofrimento em torno de 82,5%.
No caso de Patrícia, a revolução ocorreu quando ela encontrou uma prótese capilar que lhe permite nadar, tomar banho e dormir como fazia antes. "Só caiu a ficha de que eu estava doente quando o cabelo começou a cair", conta. Durante uma semana, a comissária se recusou a sair de casa. Não gostava de ser vista sem lenço nem mesmo pelos pais. "Agora, voltei a sair com os amigos e até a paquerar."
Alienados. Segundo o cirurgião Paulo Tarso de Lima, do Hospital Israelita Albert Einstein, o tratamento contra o câncer leva, muito frequentemente, os pacientes a se distanciarem do próprio corpo. Na tentativa de se defender do sofrimento, diz ele, não é raro abandonarem os cuidados com alimentação, exercícios e aparência. O efeito acaba sendo o oposto do desejado.
"Às vezes, o paciente reclama de desconforto, mas não consegue localizar com precisão a origem do problema. Essa falta de sintonia com o corpo faz a dor parecer maior e difusa", afirma.
Qualquer iniciativa que ajude a reestabelecer essa conexão, continua Lima, devolve ao paciente a noção de que a dor é limitada e temporária.
"Hoje, a preocupação com a estética anda lado a lado com a oncológica", diz o mastologista Silvio Bromberg. Quando a mulher precisa ser submetida a uma mastectomia, diz ele, deve-se fazer a reconstrução mamária imediata sempre que possível. "Quando a paciente acorda da cirurgia com uma mama nova, o astral é outro. Isso faz com que atravesse melhor todo o tratamento."
Essa foi a opção da funcionária pública Eloisa, de 64 anos. Ela pediu para não revelar o sobrenome, pois escondeu sua luta contra o câncer de mama da maioria das pessoas que a conhecem "para evitar os olhares de pena".
Em nenhum momento do tratamento Eloisa deixou de trabalhar. Marcava as reuniões importantes para o dia anterior à sessão de quimioterapia. Quando sentia-se mal, atribuía a culpa a uma virose.
"Durante a quimioterapia, houve momento em que subir uma escada parecia tão difícil como subir uma colina. Mas em nenhum momento ninguém me viu destruída", conta.
Fonte:
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110417/not_imp707374,0.php