segunda-feira, 18 de abril de 2011

Autoestima entra na luta contra o câncer

Até por exigência da profissão, a comissária de voo Patrícia Souza, de 33 anos, sempre foi vaidosa. Nos últimos meses, porém, ela tem caprichado mais na maquiagem. "Preciso cobrir as olheiras e passar um pouco de blush para parecer saudável. Também tenho usado cílios postiços", conta. Patrícia está fazendo quimioterapia.

JF Diorio/AE

Há sete meses, ela luta contra um câncer de mama. Desde então, descobriu na prática algo que diversas pesquisas mostram: cuidados estéticos, que a princípio podem parecer supérfluos, diminuem os índices de depressão, melhoram a resposta ao tratamento e a qualidade de vida dos pacientes oncológicos.

Essa preocupação com o bem-estar durante e após o tratamento contra o câncer tem crescido entre os profissionais de saúde à medida que aumenta a sobrevida dos doentes, afirma a dermatologista Dolores Fabra.

Ela coordenou, na Faculdade de Medicina do ABC, a implementação de um ambulatório de reabilitação cosmiátrica para pacientes oncológicos: um serviço para amenizar as alterações que o tratamento pode causar na pele, nas unhas e nos cabelos.

Impacto. A radioterapia costuma deixar a pele mais fina e avermelhada. Já a quimioterapia pode causar machas, descamação, ressecamento e acne, além de enfraquecer as unhas e derrubar os pelos. "Mas para tudo isso há solução", garante a médica. Dolores avaliou, por meio de questionários, o impacto desses cuidados na qualidade de vida de seus pacientes. Em média, eles relataram uma melhora no grau de sofrimento em torno de 82,5%.

No caso de Patrícia, a revolução ocorreu quando ela encontrou uma prótese capilar que lhe permite nadar, tomar banho e dormir como fazia antes. "Só caiu a ficha de que eu estava doente quando o cabelo começou a cair", conta. Durante uma semana, a comissária se recusou a sair de casa. Não gostava de ser vista sem lenço nem mesmo pelos pais. "Agora, voltei a sair com os amigos e até a paquerar."

Alienados. Segundo o cirurgião Paulo Tarso de Lima, do Hospital Israelita Albert Einstein, o tratamento contra o câncer leva, muito frequentemente, os pacientes a se distanciarem do próprio corpo. Na tentativa de se defender do sofrimento, diz ele, não é raro abandonarem os cuidados com alimentação, exercícios e aparência. O efeito acaba sendo o oposto do desejado.

"Às vezes, o paciente reclama de desconforto, mas não consegue localizar com precisão a origem do problema. Essa falta de sintonia com o corpo faz a dor parecer maior e difusa", afirma.
Qualquer iniciativa que ajude a reestabelecer essa conexão, continua Lima, devolve ao paciente a noção de que a dor é limitada e temporária.

"Hoje, a preocupação com a estética anda lado a lado com a oncológica", diz o mastologista Silvio Bromberg. Quando a mulher precisa ser submetida a uma mastectomia, diz ele, deve-se fazer a reconstrução mamária imediata sempre que possível. "Quando a paciente acorda da cirurgia com uma mama nova, o astral é outro. Isso faz com que atravesse melhor todo o tratamento."
Essa foi a opção da funcionária pública Eloisa, de 64 anos. Ela pediu para não revelar o sobrenome, pois escondeu sua luta contra o câncer de mama da maioria das pessoas que a conhecem "para evitar os olhares de pena".

Em nenhum momento do tratamento Eloisa deixou de trabalhar. Marcava as reuniões importantes para o dia anterior à sessão de quimioterapia. Quando sentia-se mal, atribuía a culpa a uma virose.
"Durante a quimioterapia, houve momento em que subir uma escada parecia tão difícil como subir uma colina. Mas em nenhum momento ninguém me viu destruída", conta.


Fonte: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110417/not_imp707374,0.php

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